segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Cume

gabriel m. ribeiro 

Escalar escarpas geleiras rochas
abruptas granitos e gnaisses
vencer o vento abraçar a
avalanche cravar os grampos
marcar a trilha traçar a rota
lançar a corda prender a vida no
nylon trançado em mosquetões
no risco calculado até chegar ao
cume.

- 13/10/2000 -

Cuba Libre

gabriel m. ribeiro 

Onze e meia da noite
pisca frenética a luz
prata forte estroboscópica.
Seu rosto tremula na minha frente
seus dentes gargalhando
brilham prata forte.
Sua silhueta some morena
na noite do escuro da festa
decote profundo e sadio
na pérola sonho de seda
permite o olhar penetrante
que esbarra no delicado
branco dos seios
também prata forte brilhando.

Meia noite e meia da festa
frenética cintila a luz
multicor fosca esfumaçada.
Seu corpo dança na minha mente
seus dentes mordendo
rasgam lábios dormentes.
Seu perfil acentua a beleza
porte de fêmea luzidia leveza
marca o olhar ébrio, atrevido
despindo os pudores pudicos
afagando libidos etílicas
fantasia de viril conquista
abraçado à verdade líquida
dos vapores da cuba libre.

-  26/09/99  -

sábado, 27 de novembro de 2010

Saudades dos Sábados de Futebol

gabriel m. ribeiro

Hoje, no verão,  quando olho nossa praia  e a vejo tomada por barracas de vendedores, vêm à minha lembrança as ensolaradas tardes de sábado, quando havia em nossas areias emocionantes partidas do Campeonato de Futebol de Praia do Rio de Janeiro.
Era o programa de sábado na comunidade, o paredão ficava lotado.
Nosso bairro teve vários times que o representaram, e se minha memória não me trair foram eles: Cobrinhas, Estudantes, Gatos, Paredão e o grande Guaíba.
Inúmeros e ilustres moradores do bairro brilharam nestas areias e seria deselegante citar alguns e omitir muitos, e por isto prefiro lembrar-me de um gol memorável conseguido pelo velocíssimo ponta direita Rauzinho (escritor e compositor Raul Paulo da Rocha), que recebendo uma bola  esticada do lateral pelo lado do posto de salvamento, deixou seu marcador para trás e, na altura do último poste de luz (inexistente hoje), levantou a bola com o pé esquerdo e fuzilou o goleiro com um petardo de direita. A bola saiu de forma retilínea e inequívoca em direção às redes adversária.
Vitória do Guaíba e alegria  na Urca.

21/12/07

Ir à Feira na Minha Infância

gabriel m. ribeiro

 
            Se havia uma coisa que me motivava ir com minha mãe até a feira de domingo, inicialmente na Pça Raul Guedes e depois na Ten Gil Guilherme, era a possibilidade de brincar com aquele instrumento com que se apanha grãos vendidos a granel.
            Era na maior barraca da feira. Seu comandante era um descendente de portugueses, o Seu Machado.
            Ele ficava junto à balança, bem no centro, de onde a tudo observava e comandava.
            Sorriso sempre no rosto, imediatamente ordenava aos seus ajudantes assim que uma das freguesas chegava à barraca, com voz forte:
            “Seu Antônio, capricha dois quilos do feijão uberabinha para a madame...”; “Seu João, dois e meio de batata para fritar...”, “Madame, o feijão  mulatinho está derretendo de tão fresco...” .  
             Assim, uma após outra, as mães, as avós e as empregadas que iam a feira eram atendidas.
             Mas o que mais me animava era a possibilidade de poder me servir dos grãos com aquela peça metálica, que gerava um som metálico e chiado ao ser enterrada no monte de arroz, e dependendo da porção de grãos que você procurava pegar, da força e profundidade que você a enterrava naqueles grossos sacos de lona verde, que alinhados à frente da barraca, compunham um colorido muro de cereais e batatas, o som se modificava.
            Depois era encher os sacos de papel pardo (não existia o saco plástico) e mais uma nova magia ocorria: a da balança! Onde pesos metálicos eram colocados e retirados com extrema rapidez nos dois pratos pelo ajudante, até que Seu Machado,  sentenciava: “um quilo e setecentas,  dois cruzeiros e cinqüenta.”
            Daí em frente, a liturgia continuava e íamos à barraca de frutas do Seu José, do verdureiro Seu Moura; da D. Izabel que vendia sabão em barra (e ovos escondidos); Jair das laranjas e tantos outros.. e assim renovávamos a cada domingo uma relação de confiança e fidelidade, singela, mas verdadeira entre aqueles “rústicos feirantes” e nossa comunidade.


In Gazeta da Urca nº 03


11/2007

Crianças

Às nossas eternas crianças  Claudia e Carlos, seus pais: Regina e Gabriel

gabriel m. ribeiro 

Vocês foram um dia  um sonho,
um ato de amor planejado,
bem amado
em cada milionésimo pensado
um amor denso
acegonhado.

Vocês foram um dia uma notícia
um fato do amor planejado,
bem  esperado
em cada letra dimensionado
um amor querente
concepcionado.

Vocês foram um dia umas barrigas
umas fotos de amor planificadas,
bem curtidas
em cada centímetro acariciadas
um amor vivente
contemplados.

Vocês foram um dia umas paridas
uns fetos de amor aplacentados
bem “sujinhos”
em cada segundo aguardados
um amor nascente
apaixonados.

Vocês são nossos filhos
a forma do amor em vida
bem nossos
em todo a vida amados
um amor eterno
abençoado.


-  12/10/99  -

Correções

À Amiga PoeTiza,


gabriel m. ribeiro 

Vitalizante existe sim...
é "vidamina", "refortalece"!

Dicionário não entende os poetas,
Dicionário é um livro,
Poeta é palavra.
Dicionário mostra a cara da palavra,
Poeta conversa com sua alma.
Dicionário se fecha e se guarda,
Poeta sangra e não dorme..


-  11/05/99  -

Corisco e Dadá

 gabriel m. ribeiro

O céu mixido se apreteia
Os morros fica escuro
A luz foge e nem alumeia
num branquece, desconjuro.

O vento, as nuvem sacodi
De lá pra cá, de cá pra lá
Elas preteiam pro mode
De ficá cheia e clareá.

As estrelas que num brilham
Foi brincá num outro lugá
Umas pegou fogo e cairam
E outras nunca mais vai brilhá.

O céu branquiçava e piscava
Nos clarão do fogo corisco
Enquanto o povo novena rezava
A chuva enchia o céu de rabisco.

Num clarão que caiu bem perto
Qui clareô qui nem sol de raxá
Vi na solidão do sertão deserto
Gargalhando, rindo: Corisco e Dadá

-  08/10/99  -

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Lavando a alma

sábado, 6 de novembro de 2010

Meu Deus, me dê a coragem

Clarice Lispector

"...Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo."

Para mim?

Cleide Canton

Ao lado do laço
um bilhete carinhoso.
Para mim?
(indaguei como se houvesse ali
outra com o mesmo nome).

Na curiosa ansiedade
abri o singelo cartão de filetes dourados.
"Para a mulher que amo,
neste dia qualquer
que somente é especial
porque ela existe".

Quem haveria de ser o anônimo admirador?
Ousado e galante...
Claro que, ainda ofegante,
desfiz o buquê
e arranjei as rosas
num lindo vaso craquelê.

Fitei-as, emocionada,
preocupada
em descobrir o remetente.
Algum pretendente?
Nas últimas semanas
havia conhecido muita gente.
Alguém diferente?

Resolvi acalmar o coração em festa.
Quem sabe, mais tarde
ainda me faria seresta!
O relógio andou
devagar demais para o meu gosto.
Dia feio
naquela tarde de agosto.

O sol encolhido
de qualquer vestígio despido
não colaborava...
Se não fosse pelas rosas
talvez eu até me sentisse acinzentada,
mas quem é que não se aqueceria
com uma carinhosa "cantada"?

Caprichei no jantar.
Havia algo a se comemorar.
O toque da campainha
trouxe-me emoção diferente.
Ajeito os cabelos e abro a porta.
Recebo meu filho todo sorridente:
Suzette Rizzo

De mim, chove solidão...
molha o rosto, a blusa, o chão.
De mim, surgem idéias iludidas
e vez ou outra uma inspiração.
Minha alma passeia no sono
abraçada aos meus motivos,
são encontros que me impulsionam
a outros pontos não mais vivos.
De mim, chovem todas as águas;
De rios, de mar, misturadas
e chove um medo cor de piche
e chove dor da cor do sangue.
De mim, chove a vida que carrego
outras que carreguei,
chove o que causei ontem
e bem antes de hoje ser.
De mim, chove agua filtrada
que rega meus verdes,
limpa o solo em que piso,
e lava o palanque
onde vomito o que sinto.

Coríndon

gabriel m. ribeiro

Cristal banido
do seio da terra
 [prurido]
voz que berra,
lapida-me com sua língua
voraz, encerra,
enterra os meus
secretos gostos
e gozos...

Rubi,
tesouro de entranhas
estranha pétala
clitóris rubro 
ou rósea pérola
presente de ostra
bivalve ente
que se abre ao mar
ao amar

Solo fecundo
[parideiro]
e grávidas sementes
que se rompem
no orgasmo da terra
e se mente,
aborta a flor
aflora a guerra
e dilui o rubi exangue
ó cristal de sangue !

- 06/02/01 -

Confuso Confete

gabriel m. ribeiro

Confete,
confeito  confuso
conflito concreto
conclama conciso
combate complexo.
Confete,
comédia confabulada
concílio contrastante
constelação consorciada
condolência confortante.


Confete,
competente compasso

combustão confessa
compromisso comedido
comentário compulsivo


Confete,
compaixão companheira
comoção conformista
concórdia comovente
consciente contramão.


Confete,
composição concubina
confronto contraditório
concessão contumaz
cômodo conchavo


Confete,
Confuso
Confeito


-  10/02/99  -

Confusa

gabriel m. ribeiro


Deixa-me deixar-te deixar-me
Não peças para segurar-te às mãos
Na hora insegura do seguro adeus.
Beija-me com os lábios à face
Cala-me os lábios sem o beijo.

-  25/01/2000  -

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Companheiro Gilson

gabriel m. ribeiro

Meu aperto de mão,
não um nó...
mas bom laço
mais que abraço
neste compasso
de 90 emails e só.
Senta conosco
coma do nosso pão
o pão do poeta
o pão do português
se vale trocadilho
pão dos pãoetas
para qualquer freguês
pão estribilho
poetas sisudo
cabeçudos
incisivos
formais
poetas vividos
poetas viventes
poetas morridos
poetas somente
que às vezes se esquecem
de dizer-lhe um bom dia
mas que lêem Laço e Nó
e sentem dor e alegria.
Poetas gaúchos
poetas baianos
pernambucanos
goianos
paraibanos
cearenses
fluminenses
paulistas
maranhenses
mineiros
brasilienses
poetas lusos
poetas franceses
italianos
até ingleses
e de qualquer nação
poetas sem fronteiras
do nosso país coração!

- 09/09/2000 -

Companheiro Anderson

gabriel m. ribeiro

Há uma pessoa que nos vê como iguais,
embora respeite todas nossas diferenças.
Ele é a sua sombra, mesmo na penumbra.
Ele é a sua resposta mesmo sem a pergunta.
Ele é e será sempre o seu maior amigo.
Ele mora no outro lado da porta,
cujo o único ferrolho está dentro de você.
Abra e converse bastante com ele...
Sua agenda está sempre disponível,
nunca desmarca e nem lhe deixa esperando.
Não tem plano médico e não cobra  nada.
Sua voz é branda, sua calma infinita.
Seu coração é para todos os homens.
Seu nome, caso queira conhecê-lo melhor
é.. Deus.



- 25/09/2000 -

Companheira Helena

gabriel m. ribeiro

Chorar não vale
buuuá muito menos
snifffar também não
senão molha nosso teclado
aí vai virar um buuuaaaazão
cheio de poeta snifffado
chorando feito bobão
com o PC emperrado.

PS) Hoje acordei com 50 anos
      almocei com apenas 22
      trabalhei com uns 40
      Vvou dormir com lépidos 15
      e isto é tão bom
      que estou sempre esquecendo
      a minha verdadeira idade.
      Amanhã acordarei não sei com quantos...

       -     10/08/2000 -

Comentágico

gabriel m. ribeiro 

Jamais serão simples as palavras de uma poetiza...
Jamais serão simples as formas de um escultor...
Jamais serão simples as orações de uma sacerdotisa...
Jamais serão simples as emoções de um amor !

Palavras simples têm a faculdade de explicitar
Palavras simples têm o poder de um sedutor
Palavras simples têm a facilidade de rimar
Palavras simples têm a magia de compor

Simplicidade e beleza dispensam rimas e métrica
Compõe-se na tênue e fresca fantasia da brisa
Imagem real da criação – corpo e alma poética

No certo e do incerto se  molda e improvisa
Procura na mente fôrma e alma à sua estética
Viaja e verseja nos poemas de Tiza !

-  20/08/98  -

sábado, 20 de novembro de 2010

Clube das Desquitadas


gabriel m. ribeiro 

Amei impensadamente
amei um corpo
amei um coito
amei um jeito
e nunca amei ninguém.

Afogo meus sonhos
aliança rompida no vazio
vácuo e insípido pesadelo
no oco que em mim restou
nas cascas do vazio.

Amei impunemente
amei um gosto
amei um rosto
amei um dengo
e nunca tive alguém.

Encontro meus amores
lembranças despidas de valor
vagas e débeis nostalgias
no espaço por elas ocupadas
no cinza clube das desquitadas.

-  20/05/2000  -

Claudão

 gabriel m. ribeiro


Claudão seira um bom baterista
Com sua baquetas, ritmos e cinzeiros
Acompanhava Joe Morello, Art Blakey
Milton Banana,  Vitor Manga e Edson Machado.
Um Minister no canto da boca
No rosto da boca o sorriso permanente
Mais sincero que um homem poderia ter
coração divino e reprimido
Cresceu do menino, primo
Amigo, padrinho, irmão.



Claudão adorava o Tamba Trio
De Luiz Eça, Edson Lobo e Milito
Assobiava entre os dentes Time Out
Ou qualquer faixa de Dave Brubeck
Fazia contra-canto ao Zimbo Trio
Lalo Schifrrin ou Louis Armstrong
Blefava sempre na mesa do biriba
Comprando seriamente todo o lixo
Dizendo ter canastra de curinga na mão
Mas batia mesmo com trinca de sete.



O sorriso entre os gole de Old LuncQuar
O drible seco no futebol de salão
O fazer a lasanha de presunto
Preparar a caipirinha com  mel e limão
Preocupar-se mais com os outros
Gostar muito de bossa nova
Do chopinho schinite no Veloso
Do almoço em família no Domingo
Do vinho Bernhard Taillan
Da vida que o viajou para sempre.



-  10/07/99  -

Circo do Céu - Picadeiro do Palhaço Trindade

gabriel m. ribeiro

(Este poema é uma homenagem ao Palhaço Trindade, fruto do talento e imaginação do poeta Marc Fortuna).

O palhaço o que é?
É ladrão de mulher...

Fitas coloridas ao vento
No zênite da lona desbotada
Arames e grampos esticados
Sustentam um mundo de ilusões
Cercados por varais maltratados
Odor de bosta de cavalos e leões.

Respeitável público
O Circo do Céu
Internacionnnnnaaaaalllll !!!!
Tem o prazer de apresentar...

Abdala, lúdico mágico esguio
Faz desaparecer o pirulito de Juca
Envolto em longa capa dourada
E surgir bela flor para a linda Luluca
Entre luzes, sons gestos e abracadabras
Curva-se aos aplausos, gritos e assobios.

- Respeitável público
O Circo do Céu...
Sensacionnnnnaaaaalllll !!!
Tem o orgulho de apresentar...

Os Irmãos Marcs, os Águias Humanas
Que voam libertos no céu do picadeiro
Firmes punhos, precisa força germana
No trapézio balançam, se lançam ligeiros
Cambalhoteiam freneticamente pelo ar
E nos suspendem dos pulmões o respirar.

- Respeitável público
O Circo do Céu...
Fenomeonnnnnaaaaalllll !!!
Tem a audácia de apresentar...

Morgana, linda contorcionista
Desmonta , na mesa, seu corpo
Desloca o formato expressionista
Perde-se noção do certo do torto.
Absurda, non-sense, semi-animal
E agradece com sorriso angelical

- Respeitável público
O Circo do Céu...
Transcendennnnntttttaaaaalllll !!!
Tem o privilégio de apresentar...

Os irmãos - palhaços Bolacha e Biscoitim.
Com os fiofós pegando fogo, soltando fumaça
Faziam todos rirem do comecinho até ao fim
Rindo da troça, rindo do riso, rindo da graça.
E escondido a tudo vendo com olhos de saudade
De dentro de todos os corações: o Palhaço Trindade.

-  08 / 01 / 2000  -

Ciranda

gabriel. m. ribeiro


ó cirandeiro
ó ciranda
das sombras dos anéis
dos brilhos dos sóis

ó ciranda criança
que não cessa na vida
os anéis de vivências
entrelaçando destinos
do novo no velho
no velho do novo

ó ciranda cantiga
que ressoa em refrãos
por colcheias e semifusas
envolvendo ficção
no sonho vivido verdade
na verdade vivida em sonho

ó ciranda
ó cirandeiro
das lombras dos pitéus
dos trilhos sem nós.

    - 16 / 12 / 03 -

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

2008 - A Madrugada Estava Linda...

               gabriel m. ribeiro


 

             A insônia, quando não crônica, patológica, muitas vezes pode ser um pequeno sinal do inconsciente querendo bater um papinho mais reservado com um Eu consciente.
             Mas esta seara é por demais complexa, e nela me reservo ao direito de apenas tentar entender alguns poucos rudimentos, sem procurar me transformar em analista/analisado de marie claire, contigo, etc...
             Entretanto, nessas conversas surdas e inquietas, muitas verdades pululam nuas, indecentemente nuas, não nos permitindo empurrá-las para debaixo do tapete, ou do travesseiro, e o jeito é conversar com elas e perceber o que pode ser feito para que ela se aquiete pela solução tomada.
             Assim, meus macaquinhos saltitaram dentro das inescrupulosas lembranças até que passei para a freqüência do devaneio.
            A lua estava cheia demais, mais parecendo aquele queijão de minas de tão clara, transformando o ondulado da baía de Guanabara em espelhos salpicados, adornando as copas das árvores com reflexos ligeiramente prateados. Ouvi no vinil 78rpm, de memória biológica, a primeira estrofe de Zé do Norte:
"Lua bonita,
Se tu não fosses casada
Eu preparava uma escada
Pra ir no céu te buscar..."
            E foi relembrando este xote, da harmonia do acordeão, do tilintar do triângulo e marcação da zabumba, que a parte alagoana do meu sangue lisergicamente se infiltrou noS labirínticos percursos da fantasia, e entre aquelas verdades nuas, e novas inverdades vestidas para a festa do fantástico, permeou os momentos solitários desta madrugada.
            Vi uma bruxa bonita navegando em vassoura de náilon, movida a energia lunar, vestida em longo de seda fina, botas da Arezo, e com prótese de silicone no busto... e ela carregava uma faixa de protesto!
Também percebi que, pulando pelos muros, em rápidos movimentoS, com um bela capa bordada com carnavalescas pedras e lantejoulas, o justiceiro Zorro deixava escrito, com a ponta do florete, frases de protesto.
            Cavalgando em velocidade, saindo das escuras ruas, atendendo aos tambores de Guran, o Fantasma da Selva e seu fiel escudeiro, o lobo Capeta, percorriam as caixas de correio e deixavam mensagens, quando então, as marcava com seu anel algumas letras de protesto.
            Assim, vários heróis da minha infância que comigo a compartilharam por essas ruas, becos, escadarias, matas, morros, pedras e praias, desfilaram nesta insone madrugada.
            Mas o temor maior foi quando percebi que a criptonita não era verde como sempre contaram. É branca e que podia ser manipulada para o mal. E pior ainda, uma parte gigantesca dela havia caído na praia da Urca e estava ameaçando todo o bairro. Muitas pessoas não conhecendo seu poder de contaminação e destruição a contemplavam, como que hipnotizadas.
              Meu Deus, o que fazer? Será que nossa civilização comunitária seria extinta como já o foram tantas outras. O poder dos Césares um dia ruiu. Maias, Incas, Astecas sucumbiram diante da ganância hispânica. Faraós demonstram hoje suas magnitudes em monumentos arqueológicos. Nem o imponente Império Britânico resistiu... e para nós, deste pequeno recanto do planeta, o que nos está sendo reservado???
              Ao amanhecer pudemos ver o que nossos heróis escreveram, ou deixaram marcados como forma de protesto: URCA SIM, IED NÃO!
              Cabe lembrar, que apesar de tudo, a madrugada estava linda...

                RJ. 15 / 10 /08



2008 - A Noite Estava Linda...

          gabriel m. ribeiro

 

            As horas eram imprecisas e a data também. Mas evidente que era em um futuro bem próximo. Um futuro que ocorrera há poucos dias.
Luzes, muitas luzes e flashes de máquinas digitais salpicavam sobre os blushes e strasses, nas brilhantes e fogosas purpurinas e paetês, penetras deste evento vip...
            Decotes generosos insinuam-se aos olhares guerreiros, e smokings alugados e belicosos empertigavam a quem brancaleonamente os trajava em nome desta causa.
            A porta principal do Museu do Rádio e Televisão Brasileira era o mágico umbral desta magnífica enxurrada de celebridades eternas.
            Por ela entrou fogosa, grandiosa em seus 1,53cm de altura a primeira grande artista brasileira, nascida na freguesia de Marco de Canavezes, Província de Beira-Alta, em Portugal, Maria do Carmo Miranda da Cunha, a eterna Carmem Miranda. Os repórteres a assediaram e ela, através de um chat virtual, a todos respondia. Ao seu lado a irmã Aurora pedia que não revelassem seu email e o seu endereço na Av. São Sebastião.
            Discreto, em um canto, outro gigante de pouca estatura física, nascido em São Pedro do Uberabinha, hoje Uberlândia, o senhor Sebastião Bernardes de Souza Prata, o talentoso Grande Otelo, conversava animadamente com várias pessoas, entre elas Orson Welles, e a tudo gravava em um mp4.
            Alegre e reservado, Herivelto Martins, imortal criador de Ave Maria no Morro, Caminhando, Praça Onze, entre centenas de outros grandes sucessos do rádio e do disco dedicava gentilezas a quem pedia seu dvd.
Discreto, sentado em um degrau do hall principal, apreciando um picolé Jajá de Coco, Neil Sedaka aproveitando a repercussão dos sucessos "Oh! Carol" e "Stupid Cupid" se comunicava com o público brasileiro. Não parava de atender os fãs pelo celular promocional, e pelo msn.
            Um pouco mais formal, o cantor da voz aveludada, Johnny Mathis procurava Gontijo Theodoro, do Repórter Esso no saguão repleto, para que este o explicasse o que significava aquilo tudo. Havia uma baiana vendendo acarajés e abarás enquanto Caymmi, com sua voz grave olhava para as alvas areias da Praia da Urca e cantarolava "O mar quando quebra na praia. É bonito, é bonito".
            Nesta época não se forjavam celebridades, havia sim, muita gente de talento e famosa...
            Os garçons lutavam para a todos atender, servindo doses de Hi-Fi, Cuba Libre e Daiquiri,
            Um rápido silêncio, a orquestra do Maestro Cipó parou de tocar e ouvimos jovens acordes de guitarra que antecederam o pout-pourri de "Festa de Arromba", "Senhor Juiz" e "Pode Vir Quente Que Estou Fervendo". É que Wanderléa, Roberto e Erasmo Carlos chegaram juntos agitando o ânimo dos presentes.
            Mal terminaram de cantar e se ouviu uma poderosa voz cantando "É Primavera" e "Azul da Cor do Mar"! Haviam chegado Tim Maia e os Diagonais... também os Golden Boys.
            Hilton Gomes trazia pelos braços a bela gaúcha Yeda Maria Vargas, Miss Universo; Chacrinha buzinava próximo a Flavio Cavalcanti, que quebrava discos e se abraçava a Almirante. Ricardo Cravo Albim conversava animadamente com Sérgio Bittencourt, Majestade e Aerton Perlingeiro.
            A mais doce de todas as bruxas, Zilka Salaberry, adentrou ao salão gargalhando. Ítalo Rossi sorria sarcástico de alguma torre de castelo do Teatrinho Trol, e Gilberto Martinho, o eterno Falcão Negro, acabava por encontrar Ted Boy Marino, Capitão Asa, Capitão Furacão e o Inspetor Carlos, o eterno Vigilante Rodoviário.
            Mas um momento de grande emoção foi quando artistas do Cirque du Soleil, da Intrépida Troupe coadjuvaram aos palhaços Carequinha, Fred, Zumbi, Meio Quilo e Oscar Polidoro, e utilizando todo o fantástico e fantasioso da arte cênica circense, e fizeram a grande mágica, quando e onde tudo e todos que animavam aquela festa retornassem para as telas de vídeos, para os painéis de fotografias, às vitrines de figurinos, aos quadros nas paredes, às colagens e às folhas dos documentos xerografados.
            Em seguida a conceituada e talentosa artista Maria Letícia recebeu os visitantes em seu espaço de exposição. Lenine autografava os vários cds em lançamento e Zélia Duncan não escapou do assédio e fotos com admiradores. Chico Anísio matava as saudades do bairro que por tanto tempo o acolheu.
Outras grandes atrações prestigiaram o saguão do antigo Cassino da Urca. Os artistas continuavam a surgir de todos os lados...
            Havia gente do teatro de revista: Colé, Costinha, Mara Rúbia, Nélia Paula, Eloina, Gina Le Feu, Esmeralda Barros e Virgínia Lane.
            Havia gente do cinema: Norma Benguell, Odete Lara, Leila Diniz, Paulo Villaça, Paulo Porto e Maurício do Valle.
            Havia gente da tv preto e branco: Neide Aparecida, Diana Morell, Carmen Verônica, Celia Coutinho, Tutuca, Orlando Drummond, Brandão Filho, Jomeri Pozzoli, Alberto Perez, Walter e Ema D'Avila.
            Havia gente da música: Anísio Silva, Orlando Dias, Aracy de Almeida, Maysa, Silvinha Telles, Elizeth Cardoso, Lana Bittencourt, Dalva de Oliveira Julie Joy, Dóris Monteiro, Ângela Maria. Ciro Monteiro, Lucio Alves, Miltinho, Dick Farney, Mirno Barroso, Orlando Silva, João Dias, Paulo Goulart, Carlos Galhardo. Linda e Dircinha Batista, Emilinha Borba, Marlene e Cauby Peixoto!
            Neste exato momento acordei assustado, trêmulo, suado e percebi que sonhara.
            O Museu do Rádio e Televisão Brasileira não existia e podia ver pela janela aberta os tapumes de uma obra que desconstrói a cada tijolo posto.
            Tomei um bom gole de água fresca, e ao retornar ao quarto, antes de deitar, pude ver pendurada na mesma janela, aberta, brilhante, a faixa: Urca Sim! IED Não! *
           
            Rio, 10 / 10 / 08

            * Instituto Europeu de Design