quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Desculpe-me

gabriel m. ribeiro

Escondi-me em tua sombra
sem rosto
sem perfil.
Escondi-me em tua silhueta
entre vírgulas do aposto
sob o ponto do ser vil.

Escondi-me da tua ausência
visitando nossa saudade
relembrando o esquecido
mentindo como verdade
permitindo o proibido
me envolvendo em vaidade.

Escondi-me como criança
bem debaixo  da escada
sufocando a esperança
enterrando-a no meu nada
revivendo a lembrança
da eterna caminhada.

Escondi-me de você
olhando cego para dentro de mim
vendo em meu próprio coração
seu sorriso de amor sem fim
ensinando-me outra lição
nascente em flor no meu jardim.

-  18/03/99  -

Des-Construção

gabriel m. ribeiro

Desconstrói
este puro amor
que sentes
incauta
por mim

Minha voz
envolvente
mente
troando inverdades
sinceras.

Teu olhar
cândido
vazando ingênuo
minhas retinas
bandidas.

Nossa comunhão
carnal
corpos distintos
um, pura ação
outro, doação.

Por Deus
rogo
arrependido
desconstrói-me
em tua vida.

Perdôo-te
humilhado
por me ofereceres
a chance maldita
de enganar-te.


-  05/08/00 -

Desconhecer

gabriel m. ribeiro


e hoje...

Arrogância e prepotência
recheios da noite hedônica
distante calor da inocência
presunção cínica e faraônica.

Amores e suores epidérmicos
carne roçada, aquecida, espumada
amores e sons hipertérmicos
carne atiçada, lambida, consumada.

Desprezo ou desconhecimento,
inibição ou descaso,
reação de profundo lamento.

Condição de puro acaso
prazer e sofrimento
arrependimento e ocaso.

- 20 / 09 / 02 -

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Noite de Natal

gabriel m. ribeiro
 
I
Em cálida pobreza  da rústica manjedoura
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria permitiram a graça  vindoura
Que Gabriel lhes anunciara, o Filho da Luz.
A estrela conduzira e brilhara no firmamento
Nas areias sopradas resplandecera o ouro,
Cheirara o incenso no choro do nascimento
Preconizara a mirra um futuro e farto tesouro.
Procuraram Gaspar, Baltazar e Belchior,
Três Reis Magos, a um sinal do príncipe novo
Uniram-se crédulos aos pastores no melhor:
O Rei finalmente nascera do povo!

II

Na pobreza ressequida do feno e da palha
Cristo nascera da Virgem, no homem   Jesus
José e Maria desolados perdem em dura batalha
Vida, que a fome, ao alfanje da morte conduz.
Os olhos sem lustro do filho menino inerte
Cabaça de farinha com o fundo vazio  ficara
Não há reza, novena, promessa que conserte
O que a seca malvada, tirana, esturricara.
Remendos em farrapos, roupa velha e rota
Nos lábios oração, um sussurro sem brilho
Nas mãos magra o terço, a prece rouca
Morrera na fé de Cristo, na seca,  o filho.

III

Na pobreza dura e fria da  cela
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria acendem uma solitária  vela
Rezam em torno da tênue e frágil luz.
Amarelado na tosca e simples  moldura
Velho retrato do único e fugidio  rebento
À cabeceira do sono inquieto, tortura
Pela angústia do terror, luta e sofrimento.
No quarto a cama magra ainda feita
Na árvore nenhuma luz ou  presente,
Na ceia um prato  vazio, a suspeita
No cárcere, preso, o filho ausente.

IV

Na pobreza inexplicável da guerra
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria, aniquilados contemplam
A centelha, parábola e  troar do obus.
A arma não descansa seu fogo, sentença, destino
Nem trégua cínica de muita solidão
Nem altar repartindo o pão ou o vinho
E corpos sem vida abraçados ao chão.
Não dão-se presentes, não cantam hinos ou canções
Não se abraça e se beija  a pessoa que se ama
Na crística Noite de Natal, no céu brilham explosões
E o corpo do filho apodrece na lama ...

-  01/99  -

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Descobrimento do Brasil

( A  per-versão não-oficial dos fatos )

gabriel  m. ribeiro 


Vem da gávea o esperado grito solitário,
lá pelas tantas da manhã d’um dia de abril,
do faminto, mas atento marujo hereditário,
que de atento entre tantas águas, terra viu.
Fedido corpo, olhos inchados, mareados,
da luta no mar denso, água velha do barril,
mal dormido, mal sonhado e não-amado,
voz rouca, seca, profunda para o ar partiu,
e a frase louca inundou o céu de sol alado
- “Terra à Vista!” ...e foi encontrado o Brasil...

A Vossa Alteza, escrevo do achamento
desta nova terra que a Coroa construirá
Envio este breve email em atachamento
contando-lhe tudo que a TV não divulgará.
São índios e índias pelados da cabeça aos pés
mostrando tudinho do corpo para nós infiéis
machos retidos e desgastados por esta viagem
vendo as gajas desnudas como em  bordéis,
Vossa Alteza há de convir deste desconforto
de encontramos logo este paraíso como porto.

Mal passado algum tempo, a terra então mudou,
o homem nu foi lenta e culturalmente dizimado
plantou-se a lavoura da ganância que importou
irmão negro trazido como bicho escravizado,
que no tronco padeceu, suou, gritou e sangrou,
enquanto o sacerdote, por Deus, equivocado,
orou e cantou em latim, de banzo o negro chorou,
e deste sangue penoso nosso roçado foi irrigado,
as malocas deram lugar a muitos cruéis espigões
orixás e pajelança acabaram em reza e orações.

Vossa Alteza deve e pode, certamente, contar como certo,
que desta  terra que o comandante chamou de Vera Cruz
todos que nela ficaram se julgam os matreiros mais espertos
achando que o gingado e brejeirice das ancas sempre seduz
e batucando forte dançarão nos braços da aguardente decerto
a noite toda sem importar-se que do dia já chegou o raio de luz,
mas este pobre povo que se julga supimpa, malandro e liberto,
nada percebe, como cabra-cega, tateia na escuridão do capuz
acreditando até que seu país já foi um dia por Cabral descoberto
não vendo a honra do povo necrosando pela corrupção em pus!

Majestade, meu Rei amado da Coroa Portuguesa,
aqui encerro esta missiva de não sei quantos kabites
consternado com que, ora vos relato, com certeza
mas por obrigação de escrivão coloco em nosso site
repito e afirmo que isto aqui era para ser uma beleza
que o  Comandante Pedro Álvares despediu-se numa light
partindo para as Índias tão distantes e de outras riquezas
jamais desviou-se da rota, portando-se como nobre do society,
mas não sabia o Comandante, qual rebento um dia ele pariu
Hoje lá está nas Américas, o pobre moçoilo, coitado Brasil!

- 28/04/2000 -

Desafia

gabriel m. ribeiro 

Por que tudo em ti é ousadia?
O desacato impune da tua risada,
a perfídia seca da tua gargalhada.
O franzido de tuas sobrancelhas,
ou as covas surgidas nos sorrisos.
O acinte nos ombros proeminentes,
as negras delícias das sedas íntimas.
O perfume-mel que emana dos lençóis,
os puros suores e loucos odores do coito.
O desgrenhado úmido do cabelo afoito, 
a leveza e gazua das mãos em segredos.
O murmurar de revelações sem medo,
a geografia despudorada de lânguidos beijos.
O pedir desaforado pelo ápice do desejo,
o presente apontando ao futuro pelo olhar.
O que ocultas neste peito que, ora desnudas,
se aos sentimentos dás uma importância miúda
flertando com a vida e a paixão, tu as desafia?

- 21 / 07 / 04 -

Delírio

Gabriel M. Ribeiro 

Febre, queima e arde
Corpo, pele e cheiro
Goteja suor já tarde
Sal na língua, brejeiro...

Dentes cravados na nuca
Mordida lambida, pluro cio
Contraem-se músculos e nervos
Relaxam paixões e delírios.

-  16/08/98  -

Dedo Mindinho

Gabriel M. Ribeiro

Eu queria ser o dedo mindinho
da minha mãe,
pois para ela
ele tudo contava,
das coisas certas que se fazia
e principalmente das coisas erradas.

O dedo mindinho não falhava,
quando alguém pegava escondido
grossa fatia de goiabada
ou tirava da compoteira
bombons, gomas jujubas, rebuçado
ou frutas cristalizadas.

O dedo mindinho enxergava
quem brincava com fogo escondido
e no corrimão da escada
descia de escorrega proibido
não se ensaboava direito no banho
e passava meleca embaixo da mesa.

O dedo mindinho dedurava
quem não ia missa no domingo
jogando bola de gude na praça
soltando cafifa, rodando pião
enquanto Lili decorava o sermão
e nos dizia repetindo: isto é pecado.

O dedo mindinho envelheceu
Não mais adivinhou nossas travessuras
Não mais censurou nossas brincadeiras
Não mais limitou nossas clausuras
Encontrou descanso de tanta bobageira
E foi embora conversar com Deus.

-  24/09/99  -

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

De Volta Para O Futuro

gabriel m. ribeiro

O forno micro ondas
faz o mingau ser comido pelo centro.
O Neovolar diário
preconiza o coito não realizado
O gelo liquefazendo-se
indica a disfarçatez do pileque
E o dióxido de carbono
faz tossir o câncer de toda a Terra.

A nuvem de Hiroshima
O clarão de Nagazaki
Os banhos de  Auschwitz
O gás de Bompal
Restos de um futuro do passado
Presentes na eternidade da memória.

Partir para a mensuração do infinito
Conhecer o desconhecido da incógnita
Descobrir os limites do vazio
Avançar nas paredes da liberdade
Retornar pelas angústias do presente
A construir do passado no futuro,
os pilares da Esperança e do Amor.

-  20/05/2000  -