quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dor


gabriel m. ribeiro

                                 Prezado Luiz Delfino

Gostaria de saber
o nome desta atrevida dor
que lhe posta ao leito
infame
disputando com o tempo
as gotas de soro
que rolam pro braço
e que doem no peito
insone
tergiversando com a noite
os centígrados da febre
que formigam na pele.

Dor maldita
que maltrata o poeta
macula a letra e rasga o livro
Distrai-se com vírus
Trança-se em categute
Perfuma com éter volátil
Retira hemácias do sangue
Resseca a saliva seca
Mas não atinge a alma
Idílica do escritor
Que renasce sempre,
Florido, pela dor do amor.

-  03/02/2000

sábado, 22 de janeiro de 2011

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Tristezas da Montanha III

gabriel m. ribeiro

III

A grande lágrima de terra rolou
nas faces ultrajadas da Mãe Natureza,
que de tanto sofre em silêncio
não conteve seu pranto e chorou.
O choro não suportado, acumulado
por séculos de insensibilidades,
e violências de todos as cores,
o duro egoísmo humano imensurável.

A grande lágrima de terra rolou
nos flancos desnudos do sono noturno,
pesadelos de vidas, mortes das mortes,
onde nem corpo há de se velar.
O cão sem dono não compreende
o abandono compulsório e solitário,
o seu cantinho desaparecido, faminto
sedento, vivendo de outros ossos...

21 / 01  / 11

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Tristezas da Montanha II

gabriel m. ribeiro

II

Da argila foi feito o homem
que ao pó retornará.
Pelo homem foi feito o barro
que a vida aterrará.
Do barro foi criada a lama
que ao homem e a vida soterrará.

20 / 01 / 11

Tristezas da Montanha

gabriel m. ribeiro

I
Quero sentir o cheiro da vida em folhas que caem,
quero as respostas no vento,
respostas no centro do furacão...
nas torrentes de idéias que despencam dos meus olhos
como as pedras que rolam montanhas abaixo
rudes matacões que trituram vidas,
que maceram a natureza e seus algozes...
quero sentir um cheiro de vida nas folhas que caíram!

18 / 01 / 11

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Diário das Noites - Uma Insônia Poética

gabriel m. ribeiro

                                                                                       Página  01



“A todos que significaram em minhas noites.”


“... e eu da janela do sonho a tudo observava.”
                                   -   in  Pesadelo  -
                                         Paulo Rios


Página 02

                  Índice

Noturno I         Pág. 03
Noturno II        Pág. 04
Noturno III       Pág. 05
Sarjeta             Pág. 06-07
24 Horas  (A Grande Ausente)    Pág. 08
Tangerina         Pág. 09
Deusa da Noite            Pág. 10
Rainha da Noite           Pág. 11
Noturno IV       Pág. 12
Vazio               Pág. 13
Trevas             Pág. 14
Madrugada       Pág. 15
Hálito da Noite            Pág. 16
Infância                       Pág. 17
Noite de Natal             Pág. 18-19
Noites                         Pág. 20-21
Noites de Autógrafo    Pág. 22
Inversão                      Pág. 23
Luas                           Pág. 24
Andamento  (Por Que ?)       Pág. 25

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Página 03

Noturno I

Noite amante silenciosa
Estrela cintilante solitária
Lua descrente e minguante
Mar sinistro de ébano
Telhado úmido  verde limo
Poesia, fusão de luz e cor
Amor, lacuna, ausência

10/03/69
26/10/98


Página 04

Noturno II

Andei muito
na noite, só.
Andei muito
na noite, pecando, só.
Andei muito
na noite, pecando e amando, Só!

Becos e vielas
Ruas e avenidas
Praças e praias
Pessoas e gentes
Crianças e famílias
E eu me acompanhava do Só!

Tentei silenciosamente gritar
Gritei silenciosamente indagando
Resposta silenciosa: nenhuma
Nem corujas, bruxas ou morcegos
Nem os ratos, quiçá os gatos
Eu estava animalescamente Só!

Procurei visceralmete alguém
Procurei intestinamente você
Procurei sobrenaturalmente por mim
Mas, existencialmente, estava Só!

Chutei irado um  grande portão
Queimei raivoso gordas latas de lixo
Ninguém sequer viu ou reclamou
Na noite em que mais desvivi
Nada bonito me existia
Eu morria e vivia Só...!

21/03/69
26/10/98

Página 05

Noturno  III 

Alameda nua.................silenciando
Céu negro......................pontilhando
Máquina fria.................descansando
Pivete nu.......................contaminando
Bicicleta suja.................despedalando
Elevador velho...............enguiçando

Letreiro fosco................piscando
Buraco vacilante...........derrubando
Bêbado delirante.......... vomitando
Pássaro engaiolado........agonizando
Morcegos sinfônicos......revoando
Privadas barulhentas.......esgotando

22/03/69
28/10/98



Página 06

Sarjeta

Na porteira da noite, curvado o vulto
Em corpo flácido, amorfo,  cansado
Sem Deus, sem credo, sem culto
Homem magnificamente arrasado.
Correndo os olhos vermelhos na vida
Suor correndo amarelado no rosto
Nem percebe se é sua volta ou  partida
Se ama obrigado ou se sofre por gosto.
Mas a noite é  quente, calor de verão
O suor e a lágrima transpiram sua solidão.

A mesma lata amassada de lixo constante
Guardiã fiel dos restos de casas e mansões
É porto do seu náufrago olhar a todo instante
Contendo e guardando suas loucas divagações.
E o andar trôpego, incerto e ziguezagueado
Contém toda e mais  embriaguez necessária
Para criar um fim trágico, patético e desejado
Tornando o homem em espécime,  em pária.
As  unhas e pontas de dedos amareladas
Testemunham as tragadas e fumaças inaladas.

Olhar para o céu e nada conseguir ver
Cada esquina dobrada um novo cruel mundo
Nova vida repleta de vazio para  nada crer
Enterrar-se vivo, ofegante nesse submundo.
Onde mora e dorme um corpo nu amigo?
Bálsamo efêmero, humilde ouvido  atento,
Acarinhando, salvando, sabendo o perigo
Do corpo malhado tal bigorna ao relento.
Onde existe esta única possível  pessoa
Que sem amar, acolhe, aquece e perdoa.

Um vento gélido é suave, é melodia
Cantando nos ferros e trancas dos  portões
Um gemido cínico e irritante de alegria
Trepidando em outros desconhecidos corações.
As estrelas se escondem pudicas do itinerante
As nuvens se escurecem, afrontadas, censuram
Seus olhos vão delirantes ao longe céu suplicante
E por Deus, vagos, profanos, pedintes, procuram.
O homem ainda contempla mórbido o fundo céu
Arquitetura de vida, engenharia da dor, seu mausoléu.
- cont. -




Página  07

Um vira - lata olha humanamente desconfiado
Os velhos  morcegos voam sempre barulhentos
O assobio é fraco, sem timbre,  feio e desafinado
Os lábios rachados, feridos, estão sedentos.
Summertime, saxofonicamente, é ouvida ao longe
A poça escura encharca de lama os pés e a alma
O frio da solidão congela a sua mente que range
E a sarjeta cumpre, soberba, o seu papel, calma.
Ali cai o frangalho, o farrapo, o resto de uma paixão
Repousa na morte do amor, do desgosto, da traição!

05/10/70
29/10/98


Página 08

Vinte e Quatro Horas
(A Grande  Ausente)

Acordo...
Não há ninguém ao meu lado
Não há um presente na cabeceira
Onde está você?

Ouço sua voz,
Mas você não conversa comigo
Não a vejo,
Mas seus olhos adentram  meus olhos.

Sinto em minha pele
O quente do seu corpo
Grande ausente na noite
E grande a noite...

Minha saliva tem seu gosto
Há vinte e quatro horas não a beijo
Há vinte e quatro horas não a vejo.
São vinte e quatro lágrimas no dia

Gotas que seco com mãos pesadas
Ásperas e temerosas de lhe perder
De não ter mais as suas apertando-as
De não ter seu rosto liso para afagar.

Na noite da grande ausência
O desespero fatídico e total
A falta plena de sonos e motivos
À grande esperança do reencontro

Acordo...
Não houve ninguém ao meu lado
Não há um passado na cabeceira
Onde está você?

06/05/71
21/09/98


                                                                                        Página 09

Tangerina

Pingam do céu lentas gotas finas
Água pálida, cortante, fria,
Insana e austera chuva de lágrimas
Inundando-me neurônios e olhos
E todas ruas em que caminho.

Caminhos crus de sincera solidão
Com mãos ásperas e duras nos bolsos
Gola rebelde, poída, negligente e levantada
Carteira de cigarro amassada no bolso
Esvaziada garrafa de vodca na mente.

Na alma  o hálito de um baseado
Curtindo e queimando como queima
Uma úlcera, uma ferida, uma dor
Perdido nos labirintos do peito
Em noite de crua chuva sofrida.

Prolongando-se na madrugada
Pelo tempo de uma grande saudade
Na escuridão refúgio do meu quarto
Descasco, despelo e como tangerinas
Disfarço meu banzo, viajo no seu cheiro.

Ativo, cítrico, silvestre e único
Próprio de sua existência, dela.
Jogo, livres, as cascas pela janela
É  proteção rompida, destruída
Corpo nu perdendo  a sua pele.

São seres sendo como sempre são.
Cheiros misturando-se à cor da penumbra
Cheiro úmido, lodoso,  de terra e chuva
Cheiro ávido, penetrante, de tangerina
Cheiro triste, ocre, de solidão.

O cigarro e o casaco velho fedem
Odores cruéis que invadem pelo nariz
Inalando-me em dolorido desespero
Assim desespero e espero sozinho
O tempo e a chuva passarem...

06/06/71
08/10/98

                                                                                                                                                                                                                                Página 10

A Deusa da Noite

Púrpura cor,  amarrotado vestido
Transpirado,  desbotado, fedido
Jogado na seca costa de madeira
Da bamba, ocre  e única cadeira
Testemunho da dura comiseração
Dioturna antropofágica flagelação
Dignidade nas borbulhas dos goles
Sacrifício do corpo, o leite da prole
Vestidos caem pelo chão, pela cama
Pecado e amor, união, trama e drama.

Mãe e filha, duas pessoas, gente
Gente igual com vida diferente,
Mercadoras de falsos espasmos
Dor e gozo sofridos pleonasmos
Corpos, caça – níqueis  humanos,
No erro sendo sempre duro engano
Pessoas com centenas de cheiros,
Tabu, Glostora , Vick e Velho Barreiro
Flores sem cores, pétalas de plástico
Prólogo, tema, epitáfio: tudo drástico

Empilhando-se nuas nos quartos da vida
Mergulhando no sangue da própria ferida
Saltando ao mais fundo do fundo do poço
Transformando dias e noites em calabouço
Irmanando-se no fugidio beijo da loucura
Sorrindo , chorando, vivendo a desventura
Temendo o hoje, o que é passado e o futuro
A fome de ontem, a incerta doença, o apuro
Ferida em seu interior por  surras de açoite
Beija seus frios, ricos algozes: Rainha da Noite

10/06/72
06/01/99

                                                                                        Página 11

Rainha  da  Noite

A Rainha da Noite, dona e soberana
O desfile de suas intimidades sem pudor
A lenta molhada língua rubra provocando
O vestido cetim barato com decote profundo
Os anelados  bicos de peito duros marcando
O corpo feitiço, movimento, dançarinando
A morena cabocla, pernas e coxas fortes
A postura rítmica em  indiscutível oferta
As ancas redondas, despidas, excitando
Ventre liso, raspado, pedindo, pulsando.

A FENOMENAL DEYSE
A  RAINHA  DA  NOITE !

Mulher nua nos olhares e pensamentos
Desejada pela platéia ébria,  insensata
Possuída pelos  urros e assobios febris
Pornoamada em podre alcova de pecados
Mulher gostosa, nua de sexo ofegante
Do beijo molhado em boca gotejante
Com seios fartos repondo as carências
Alimentando e sublimando o breve prazer
Sabonete acabando-se no corpo que se acaba
Sujeira, prurido do corpo manchando a alma

A FENOMENAL DEYSE
A  RAINHA  DA  NOITE !

Post Scriptum:

Deyse  Rainha
A maior, a melhor
Eu te amei muito
Acredite-me
Eu te amei muito
Despreza-me
Eu te amei muito
Perdoa-me
Eu te amei muito
Mas em uma só noite...

11/06/72
07/01/99

                                                                                       Página  12

Noturno IV

São passos largos dados na vida
São passos silenciosos, noturnos
São passos calmos, cadenciados
São passos esparsos, convictos
São passos firmes, destemidos.

A calçada ainda está visivelmente fria
Molhada, espelhada, úmida e escorregadia
Do orvalho caído, esquecido, distanciado
Descansada do incógnito  sono escuro da noite
Trazendo  o  ambíguo sorriso do amanhecer.

Os olhos olham os vários olhares
Que vêem anjos, serafins e querubins
Gente, pessoas, homens e mulheres
No espelho os olham se procuram
Na noite, perdidos dentro de si mesmo.

15/06/72
08/01/99
                                                                                        Página 13

Vazio

Muitos foram os dias
Grandes foram as noites
Tudo repleto de embriaguez
Oco pela solidão, vazio...

Ratos embrenhando-se pelo lixo
Vampiros sugando pescoços encardidos
Lagartas felpudas rastejando pela terra
Bílis, fel e veneno escorrendo pela boca.

À luz, tudo se fizera embaçado
O fosco brilho do sol magoava
O vozerio das crianças perturbava
Até o perfume da s flores enjoava.

Bêbado
Vomitado
Arrasado
Caminhei

A idéia e a imagem
do cruel,  proibido
e criminoso amor
em doses, aniquilava...

13/07/73
11/01/99

                                                                                       Página 14

Trevas

Estilhaços  farpados da noite
Sangram do meu passado
Iluminam dez, doze, cem trevas
E aos vampiros gozosos do além.

Que voam soturnos em negro cetim
Sou majestade Príncipe do Medo
Ícone do Fim, Sou Morte
Sou e Não Sou ninguém!

Criaturas bebem meu sangue
Aranhas tecem suas malhas
A trilha de pó invade a alma
Convulsões de álcool e mente

No terror que cintila nos olhos
No mofo podre que arde, sufoca
A vela derrete como a vida
E não ilumina ninguém!

01/01/80
18/08/98

                                                                                        Página 15

Madrugada

Ainda lúcido, quase sem beber
Vivi densamente as volúpias dos sonhos
Delirei nas áureas indagações do amanhecer
Torturado pelo duvidar repetido da dúvida
Corrompido pela flagrante imaturidade
Abraçado asfixiantemente pelo medo
Me vendo pelos olhos de outrem
Me espelhando no brilho das palavras
Fumando em aromáticos narguilés
Pouco é muito, muito é tudo, tudo é nada.

Me evadindo nos sonhos de outrem
Invadido pelos gozos de alguém
Devassado pelo não sou, a  inverdade
Me desmigalho em fatias de ilusão
As migalhas sacudo e não dou a ninguém
Não sou eu, não sou nada, não sou vinho
Comungo com o vício, consumo como pão
Desmorono minha ruína em meu próprio corpo
Choro a cada momento em que penso que sorrio
É preciso  um lugar para esta alma acordar...

17/04/80
11/01/99
                                                                                        Página 16
              
Hálito da Noite
(reverência aos noturnos vendedores ambulantes de café)

Passos largos
Renda curta
Mansos passos
De quem furta.

Noite gelada
Café quente
Negra madrugada
Hálito candente

Jovem homem, velho traste
Desgastado, semi – morto
Na loucura do biscate

Nau sem rumo, nau sem porto
Qual Messias, qual mascaste
Operário do conforto...

22/10/80
01/10/80

Página 17

Infância

Pai,
vem dormir em casa esta noite...

01/ 11/80
12/01/98
                                                                                        Página 18

Noite   de  Natal

I

Em cálida pobreza  da rústica manjedoura
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria permitiram a graça  vindoura
Que Gabriel lhes anunciara, o filho da luz.
A estrela  conduzira e brilhara no firmamento
Nas areias sopradas resplandecera o ouro,
Cheirara o incenso no choro do nascimento
Preconizara a mirra um futuro e farto tesouro.
Procuraram Gaspar, Baltazar e Belchior
Três Reis Magos a um sinal do príncipe novo
Uniram-se crédulos aos pastores no melhor
O Rei finalmente nascera do povo!

II

Na pobreza ressequida do feno e da palha
Cristo nascera da Virgem, no homem   Jesus
José e Maria desolados perdem em dura batalha
Vida, que a fome, ao alfanje da morte conduz.
Os olhos, sem lustro, do filho menino inerte
Cabaça de farinha com o fundo vazio  ficara
Não há reza, novena, promessa que conserte
o que a seca malvada, tirana, esturricara.
Remendos em farrapos, roupa velha e rota
Nos lábios oração, um sussurro sem brilho
Nas mãos magra o terço, a prece rouca
Morrera na fé de Cristo, na seca, de fome, o filho.

III

Na pobreza dura e fria da  cela
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria acendem uma  vela
Rezam em torno da tênue e frágil luz.
Amarelado na tosca e simples  moldura
Velho retrato do único e fugidio  rebento
À cabeceira do sono inquieto, tortura
Pela angústia do terror, luta e sofrimento.
No quarto a cama magra ainda feita
Na árvore nenhuma luz ou  presente,
Na ceia um prato  vazio, a suspeita
No cárcere, preso, o filho ausente.

- cont. -

Página 19

IV

Na pobreza inexplicável da guerra
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria, aniquilados contemplam
A centelha e o troar do obus.
A arma não descansa seu fogo, sentença, destino
Nem trégua cínica de muita solidão
Nem altar repartindo o pão ou o vinho
E corpos sem vida abraçados ao chão.
Não dão-se presentes, não cantam hinos ou canções
Não se abraça e se beija  a pessoa que se ama
Na crística Noite de Natal, no céu brilham explosões
E o corpo do filho apodrece na lama ...

24/12/80
02/01/99


Página 20

Noites

No princípio não preocupava
cansaço era o acalanto
de pelúcia eram os amigos,
as fantasias e seus encantos.
Avançando, bem mais tarde
na cabeça pululavam provocações
na dúvida entre um sim e um não
a escorregadia e primeira concessão.

Os amigos, o pensar,  as conversas
descobertas e incobertas inconfidências
enquanto as cabeças mais espertas
já pensavam  em ardilosas saliências.
Surgem desconexos os palavrões
sexo difuso e as sacanagens
aparecem às centenas as tentações
fixações, fantasias e bulinagens.

Trepa-se na enfolhada árvore da praça
e se vê no banho toda e nuinha, Nininha
gostosa, boa, com pêlos... cheia de graça
musa fatal  em dezenas de punhetinhas.
Neuza Gorda, a consumível  empregada
por  uns trocados chupa-nos em fileiras
enquanto nas empoadas pudicas namoradas
se esfregava  e se roçava sem brincadeira.

Passava o tempo e surgia o cigarro
amarga, sufocante e fétida afirmação
necessidade do desafio, prazer  bizarro
e muito chiclete hortelando a respiração.
A noite aumentava sempre  seu tamanho
era a vida  indo como uma chama que morre
não havia perda, nem havia ganho
e fatalmente a alucinação do primeiro porre.

Trocaram-se os locais  e os amigos
mudaram os copos, novos garçons
rumava-se, então, aos acenos, aos perigos
aos corpos nus, perfumes e batons.
Agigantava-se a primeira amante
prostituta com sua história de santinha
e o belo macho, vaidoso, viril e errante
doa, iludido, seu vigor à abelha – rainha.
- cont. -
Página 21

Ao abrir e reler-se  às páginas de trás
na janela não se via mais a linda Nininha,
os porres sistemáticos nem rodavam o teto mais
Neuza Gorda tinha parido em série três filhinhas.
A política, ditadura  e cadeia, torturavam o  ideal
e a eterna puta trocava seu homem simplesmente
só restava a beleza enigmática, indecifrável, irreal
da noite mãe se amanhecendo sempre novamente...

27/12/80
13/01/9
                                                                                       Página 22

Noite de Autógrafo

Borbulham as champanhas em  taças - cristais
Brilham nos dedos anéis faíscas - diamantes
Apertam nos pés sapatos couros - brilhantes
Rimam a poesia e elogios com posturas sociais.

Desconhecidos, chegam  de todas as partes
Distintos, elegantes, famintos como a morte
Sedentos do brilho da presença e não da  arte
Eretos no gole, na foto, no flerte, no porte.

Sorrisos espumam pelos cantos das bocas
Perfumes envolvem  todos que estão dentro
Canapés e álcool enchem barrigas e mentes ocas

O poeta à mesa escreve, seu punho é o centro
Palavras que soam puídas e  com tintas roucas
“Que fazemos nós senão avançar noite adentro?”

27/12/80
13/12/99


                                                                                       Página 23

Inversão

Penso que penso na noite
O sonho que sonho de dia.

28/12/80
13/01/99

                                                                                       Página 24

Luas

Surgiram doces duas alvas luas em seu busto
Vem minha criança, abraça-me, não medre!
Deita seu anjo corpo sobre o meu sem susto
Derreta-se em seu calor e arda como febre.
Aqueles olhares dengosos, esguios e furtivos
São suas verdades e desejos  incontestáveis
Dá-me pura imaculada  seu amor tão fugitivo,
Calor da sua alma às minhas mãos irrefreáveis.
Repousa como nuvem em meu hálito seu ofegar
Esquece brejeira os  macios lábios entreabertos
Deixa-me falar e beber o seu virgem murmurar
Abraça minha paixão com estes braços incertos.
Rompe minha pele, meu corpo, com suas unhas
Dispa-se inteira minha menina nesta beira de rio
Com águas, pedras, estrelas e luar testemunhas
Aperta-me com vontade contra  seu mexer macio.
Guarda em você minha também virginal pureza
Urra, grita, desdiga do amor qualquer blasfêmia
Sufoca, lacrimeja, delira em convulsão indefesa
Ame criança, ame mulher, menina - lua , fêmea!

30/12/80
13/01/99
                                                                                        Página 25

Andamento
( Por que? )

O amanhecer  duro cinzento
O despertar do dia frenético
O espreguiçar barulhento
O hálito vencido protético
O café aquecido em lamento
O salário real, hipotético...

Um dia de calor insuportável
Um calçadão pleno de narcisos
Um escort vendo-se colunável
Um SPC enviando outro aviso
Um compromisso ruim, inadiável
Um pivete roubando o sorriso.

A tarde sufocante abafada
A tatuagem na pele morena
A  dose fiel de caipira gelada
A igreja reza terço e novena
A  fogosa  da pornochanchada
A fila estressante do cinema.

Um anoitecer viril e eloqüente
Um pássaro se vai,  vôo rasante
Um arroxeado e delirante poente
Um luxurioso  beijo vicejante
Um horizonte infinito atraente
Um clarão de  luz agonizante.

Uma madrugada monstruosa
Uma voz rouca e um aceno
Uma arma luzidia,  misteriosa
Uma rajada de insano veneno
Uma explosão dura, impiedosa
Uma saudade: morre John Lennon.

13/12/80
13/01/99

- 09h 47min 51Seg -