quarta-feira, 31 de agosto de 2011

EU SÓ QUERIA LEMBRAR

Breve viagem a um lúdico passado proporcionada pela harmoniosa delicadeza e aperreio de belezura profunda da poesia de Asta Vozondas - "eu só queria saber", da qual, como cajá-manga furtado ao quintal vizinho, "apropriei-me" do sentido de alguns versos.


EU  SÓ QUERIA LEMBRAR
gabriel m. ribeiro

Poema em letra maiúscula,
retrato-saudade-aquarela
da suíte em pé de jaca
ou qualquer outra árvore
nascida para mim, para ela.

Para que céus voaram meus sonhos?
e os sonhos balões desta menina?
e os sonhos de todos nós?

Doces olhares da infância
que bem sabem vasculhar a alma
de todos, de tudo.

O andar requebro inocente
misturado a topada,
o pisar na poça d'água
o chute na lata vazia.

Doce pé de jabuticaba
forte galho de goiabeira
vermelho ácido pitangueira
farto fruto doce da mangueira.

Banhos nus e inocentes
corpos glabros e pueris
o açude, cachoeira e nascente
pingos d'água, gotejar
arco-íris e colibris.

Onde foi a menina?
Onde fomos?
Onde fui?

-  19/02/2000  -

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

ESTRADA - RETORNO

 gabriel m. ribeiro

Amigo,
meu grande receio
p’ra você que agora está voltando
é  que nada de novo posso lhe ofertar.
Amigo,
meu grande orgulho
ver você vencendo medos, partindo
e o melhor desconhecido para si procurar.
Amigo,
minha grande vergonha
ver você agora cansado retornando
é que nada diferente ou mudado vai encontrar.

Retorna,
da Casa do Sol Nascente
com a mochila vazia
coração ôco, farrapos...
Retorna,
da Route 66
com a barraca libertária
presa por barbantes, trapos...
Retorna,
de Maromba ou de Mauá
transladado em caronas
poesias em guardanapos...

Descansa o corpo,
carcaça que envelheceu
na procura idílica dos ícones
em molduras sonhadas de liberdade.
A botina troncha e gasta
já não parte nem procura
cansada, cega, se arrasta
e na estrada literária se tortura.
No ar  volatizaram-se  as esperanças
nas sinuosas e calientes fumaças das fogueiras
que laconicamente agonizam como cinzas frias
em tocos de carvão, um dia gravetos de madeira.

O caneco morno de nescafé
não aquece sequer os dedos, os dentes
que amarelos e manchados ficaram
pelos cigarros tragados na imensidão da estrada.
E no acalanto espectro do poente livre
bagulhos e baganas deixaram o forte cheiro
nas roupas, na boca, na imaginário, na cabeça,
e queimaram delirantemente  até ao fim.
Até a ponta dos dedos...
Até ao limite dos sonhos...
Até às Finlândias de Penedo...
Até os alegres e os tristonhos...

Traz seu Di Giorgio sem corda
desbotado bordão e acorde de liberdade
que não mais ecoa nas montanhas
onde a nuvem, hoje, escondia o Sol.
Lucy In The Sky With Diamond
Preta Preta Pretinha !!!
são fitas cassetes oxidadas pela idade
pelos cabeçotes das noites de quem caminha.
Resgata aquele sorriso alegre e juvenil
abre os braços ao abraço de quem te gosta
volta p’ros teus amigos, p’ro teu Brasil
encontra em nosso afeto sua resposta!

Retorna amigo!

-  04/03/99  -


ESPELHO III

gabriel m. ribeiro


Olhei-me pelo espelho velho
Vidro embaçado pelo tempo
Atento, o rosto fosco refletia
A estrada de rugas e fugas.
Estradas de espinhos retorcidos
Coroando a calva de sofrimentos
Corpo do homem rouco
Vazavam a voz e o grito louco
Que ecoavam no vidro velho
Espelho embaçado da vida.



Olhei-me pelo caco de espelho
Vidro partido pelo mal uso
Fragmento de imagem

25/05/99