segunda-feira, 28 de março de 2011

Em Saio

gabriel m. ribeiro

Desame-me o mundo dos corvos
se sorvo-me em goles toda tinta
e escarro palavras ao invés de quadros...
Nauseiam-me olhos que me olham
de dentro dos cubos picassianos,
e me contemplam as formas que
"à meia-noite erma e sombria"
recitam-se das páginas de Allan Poe.

Quero retorcer e espremer minhas idéias
como as tranças aladas de Rapunzel
até vicejar algo que preste desta mente
e encravar-se ao solo e húmus das razões
como os pés entorpecidos de Dafne,
e com o solo aquecido de Billie Holiday
perseverar um bom hábito doentio
de reescrever noturdianamente Summertime.

Quero amar todos os corações salvíficos
esmagando os pelos e as peles desinibidas
com generosidade viril e fértil...
Quero ter cólicas de orgasmos escatológicos
entre espasmos de palavras em versos
"É apenas isso e nada mais"

    - 07 / 06 / 03 -

sábado, 19 de março de 2011

Em algum lugar do passado

gabriel m. ribeiro

Bilboquê
bola de gude
patinete
carreto rolimã
passa-anel
pique-esconde
carniça
pega-ladrão
queimado
futebol de botão
figurinha carimbada
bafo bafo
cafifa
e peão.


Caderno de perguntas
brilhantina
gumex
galocha
pega rapaz
pente flamengo
gilette blue blade.
She loves you
calça saint - tropez
boca de sino
salto carrapeta
pino silvestre.
isqueiro monopol
salen mentolado

Lia
menina
Solange
moleca
Alice
mocinha
Marcinha
moçona
Célia
malandra
Soninha.
mimosa
[Dalva]
mulher

Baile mela-cueca
Ed Lincoln
Ray Conniff
inarredável ereção
o beijo lambuzado
o ato solitário
fantasia, ejaculação.
I can’t get no
(Satisfaction)
Dylan e Stones
violão e guitarra
napalm vietnã
flower power
doces manhãs.

Bolas, bolinhas
cubas e hi-fi
bacanas, baganas
Sons e sonhos
colares e tiaras
barracas, fogueiras
viagens, lombeiras.
Luta clandestina
nua panfletagem
crua repressão
atos, sabotagem
torturas inumanas
sádicos rituais
demência tirana
falsos ideais.

- 25/05/2000 -

sábado, 5 de março de 2011

El Greko (cacos biográficos)

El Greko (cacos biográficos)
gabriel m. ribeiro 

Domenikos Theotokopoulos, 1541,
Urge parido de um ventre em Cândia,
É Creta, ilha grega, mediterrânea
Culto, poliglota, homem incomum

Absorve, degusta e transpira
A arte de Tissiano, Bassano e Tintoreto
Maneirista, desenha, cria e delira
Ópera sem som, sem verso, sem libreto.

A Anunciação


No abandono de um quarto, Maria
E anjo celeste  flutuando no ar
Anunciando a  mãe que nos daria
Um filho que veio para nos salvar.


O Espólio


Despojado de sua túnica, nu  Homem Jesus
Cercado pelos profanos, infames e brutos
À santidade dos céus seus olhar conduz
Perdoando os fiéis, os incrédulos e injustos.


A Adoração em Nome de Jesus


O céu , a terra, o paraíso e o inferno
Curvam-se à presença do Senhor
Contrastam presente, fim e eterno
Nas nuvens o anagrama de amor.


A Agonia no Horto

A ceia já consumida pelos discípulos, seguidores
E todos dormem, todos dormem, menos o Nazareno
Corpo - pão, sangue -  vinho, guarda e traidores
Grande seu perdão para seres tão pequenos

São Martinho e o Pobre


O corpo nu, flagelo e ferida
Experimenta a fraterna igualdade
Do manto nobre em piedosa acolhida
Santíssima atitude, generosa humildade

Cristo Expulsa os Vendilhões do Templo

A casa de oração pela ganância destruída
Recebe o expurgo de um Cristo transtornado
Podres vendilhões desnudos, almas decaídas
E apóstolos estupefatos ao templo resgatado

A Visão de São João


El Greco pinta a visão apocalíptica
A visão espiritual de São João
Santo, homem, figura e mítica
Pinta o céu, pinta o ar e pinta o chão.
.....................................................

El Greco poeta das tênues  tintas
De forma alongada na pluma do pincel
Poeta das formas, complexas e sucintas
Inspira palavras na mensagem de Gabriel.

-  13/10/98  -