terça-feira, 24 de maio de 2011

2008 - A Tarde Estava Linda...

gabriel m. ribeiro

            A tarde estava linda e apesar das quatro horas, o sol lutava por transpassar as copas incertas das amendoeiras e ainda nos trazia algum suor ao rosto.
            Na praça um discreto movimento incomum demonstrava que algo diferente aconteceria na mesma.
            Havia uma modesta confecção de mesas, tabuleiros e até algo que se assemelhava com barraquinhas de quermesses... sim, era isto que estava acontecendo, as poucas pessoas ali presentes construíam, ou montavam seus espaços para uma festa junina
            Quando o táxi parou, eu ainda tinha na boca o paladar do refinado almoço do qual me retirara. Mas uma forte lembrança da minha infância me provocava a substituir o gosto do salmão pelo do salsichão. Do vinho pelo quentão; da sofisticada sobremesa pela possibilidade de uma maçã do amor, quem sabe um palito de algodão doce, ou mesmo gostosas cocadas pretas.
            Fosse o que fosse, eu acabava de encontrar a chance de bem viajar no túnel do tempo e voltar até as inesquecíveis festas juninas da Praça Raul Guedes, da Roquete Pinto, ou da Joaquim Caetano. Deixei-me levar pelas asas e ruas da saudade...
            Não conhecia quase ninguém que ali estava e tão pouco procuraram saber quem eu era, apenas quis colaborar, botar a mão na massa e participar desta possibilidade de reconstrução de uma Urca já tão fugidia. Recuperar-me do tempo passado participando deste presente... não me interessou o desinteresse pela minha pessoa, mas me agradou o fato de poder partilhar rápidos momentos de interação a quem, com sede, procurou um refrigerante, uma cervejinha, ou mesmo água.
            Contemplou-me servir as crianças, aos idosos, senhoras e mocinhas, contemplou-me também rever pessoas que não conhecia, apresentar-me sem dizer meu nome, não ter sido chamado pelo mesmo em nenhum momento, mas ter feito parte daquele encontro singelo, fantástico, lúdico, mas real.
            Como festa junina havia umas modernidades! O correio do amor foi substituído por torpedos nos celulares! Do fotógrafo lambe-lambe não se viam os flashes, substituídos pelos... celulares!! O sistema de alto-falante não anunciou que D.Sara, mãe de Rosana a esperava na barraca da pescaria, quem agora fazia este serviço eram os... celulares!!!
            Mas pude ver beijos roubados. Vi, delas, os esguios olhares travessos, e também os olhares implacáveis deles. Vi pipoca de mel, churrasco de queijo coalho - no meu tempo não havia isto. Vi bolo de chocolate, não vi manjar de coco, mas vi bolo de fubá. Não provei o churrasquinho, mas senti o cheiro do pastel. Teve casamento e não teve quadrilha, nem cadeia, mas teve música de forró, pescaria, avós e netos, teve milho cozido... o céu brindava com sereno e estrelas.
            As horas cansaram e a festa acabou. O povo dispersou e uns poucos ficaram para o rescaldo da festa. Bandejas com os escombros de chocolate, isopor com ruínas de gelo, bancadas com as digitais das crianças, a boca do palhaço ainda aberta e as bolas de meia espalhadas no chão. Muitos pregos para serem removidos das tábuas, para serem removidos daquele passado tão presente!
            Cada prego retirado, cada barraca desmontada, cada tábua transportada, revitalizava a memória de encantos escondidos nas doces trincheiras da saudade e encontrava sua réplica nos desejos inconfessáveis do ex-adolescente sonhador.
            Ah! Foram também vendidas camisetas curiosas naquele arraiá com uns escritos: Urca Sim, IED Não! ... e não tinham remendos coloridos, nem reparos!
            Muitas das pessoas usavam estas camisas pelo sonho de não ver um sonho de vida ruir. O sonho desabar apoiado em novos pilares, vigas jovens, novas paredes, novas pessoas, novas modernidades sustentadas pelas velhas e corrompidas engrenagens do poder, contrastando com tudo que não habita nem transita numa ingênua festa junina em algum qualquer lugar da sempre Urca!
            Inté!

            gabriel m. ribeiro
            07 / 10 / 08

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