terça-feira, 24 de maio de 2011

2008 - A Noite Estava Linda...

          gabriel m. ribeiro 

            As horas eram imprecisas e a data também. Mas evidente que era em um futuro bem próximo. Um futuro que ocorrera há poucos dias.
Luzes, muitas luzes e flashes de máquinas digitais salpicavam sobre os blushes e strasses, nas brilhantes e fogosas purpurinas e paetês, penetras deste evento vip...
            Decotes generosos insinuam-se aos olhares guerreiros, e smokings alugados e belicosos empertigavam a quem brancaleonamente os trajava em nome desta causa.
            A porta principal do Museu do Rádio e Televisão Brasileira era o mágico umbral desta magnífica enxurrada de celebridades eternas.
            Por ela entrou fogosa, grandiosa em seus 1,53cm de altura a primeira grande artista brasileira, nascida na freguesia de Marco de Canavezes, Província de Beira-Alta, em Portugal, Maria do Carmo Miranda da Cunha, a eterna Carmem Miranda. Os repórteres a assediaram e ela, através de um chat virtual, a todos respondia. Ao seu lado a irmã Aurora pedia que não revelassem seu email e o seu endereço na Av. São Sebastião.
            Discreto, em um canto, outro gigante de pouca estatura física, nascido em São Pedro do Uberabinha, hoje Uberlândia, o senhor Sebastião Bernardes de Souza Prata, o talentoso Grande Otelo, conversava animadamente com várias pessoas, entre elas Orson Welles, e a tudo gravava em um mp4.
            Alegre e reservado, Herivelto Martins, imortal criador de Ave Maria no Morro, Caminhando, Praça Onze, entre centenas de outros grandes sucessos do rádio e do disco dedicava gentilezas a quem pedia seu dvd.
Discreto, sentado em um degrau do hall principal, apreciando um picolé Jajá de Coco, Neil Sedaka aproveitando a repercussão dos sucessos "Oh! Carol" e "Stupid Cupid" se comunicava com o público brasileiro. Não parava de atender os fãs pelo celular promocional, e pelo msn.
            Um pouco mais formal, o cantor da voz aveludada, Johnny Mathis procurava Gontijo Theodoro, do Repórter Esso no saguão repleto, para que este o explicasse o que significava aquilo tudo. Havia uma baiana vendendo acarajés e abarás enquanto Caymmi, com sua voz grave olhava para as alvas areias da Praia da Urca e cantarolava "O mar quando quebra na praia. É bonito, é bonito".
            Nesta época não se forjavam celebridades, havia sim, muita gente de talento e famosa...
            Os garçons lutavam para a todos atender, servindo doses de Hi-Fi, Cuba Libre e Daiquiri,
            Um rápido silêncio, a orquestra do Maestro Cipó parou de tocar e ouvimos jovens acordes de guitarra que antecederam o pout-pourri de "Festa de Arromba", "Senhor Juiz" e "Pode Vir Quente Que Estou Fervendo". É que Wanderléa, Roberto e Erasmo Carlos chegaram juntos agitando o ânimo dos presentes.
            Mal terminaram de cantar e se ouviu uma poderosa voz cantando "É Primavera" e "Azul da Cor do Mar"! Haviam chegado Tim Maia e os Diagonais... também os Golden Boys.
            Hilton Gomes trazia pelos braços a bela gaúcha Yeda Maria Vargas, Miss Universo; Chacrinha buzinava próximo a Flavio Cavalcanti, que quebrava discos e se abraçava a Almirante. Ricardo Cravo Albim conversava animadamente com Sérgio Bittencourt, Majestade e Aerton Perlingeiro.
            A mais doce de todas as bruxas, Zilka Salaberry, adentrou ao salão gargalhando. Ítalo Rossi sorria sarcástico de alguma torre de castelo do Teatrinho Trol, e Gilberto Martinho, o eterno Falcão Negro, acabava por encontrar Ted Boy Marino, Capitão Asa, Capitão Furacão e o Inspetor Carlos, o eterno Vigilante Rodoviário.
            Mas um momento de grande emoção foi quando artistas do Cirque du Soleil, da Intrépida Troupe coadjuvaram aos palhaços Carequinha, Fred, Zumbi, Meio Quilo e Oscar Polidoro, e utilizando todo o fantástico e fantasioso da arte cênica circense, e fizeram a grande mágica, quando e onde tudo e todos que animavam aquela festa retornassem para as telas de vídeos, para os painéis de fotografias, às vitrines de figurinos, aos quadros nas paredes, às colagens e às folhas dos documentos xerografados.
            Em seguida a conceituada e talentosa artista Maria Letícia recebeu os visitantes em seu espaço de exposição. Lenine autografava os vários cds em lançamento e Zélia Duncan não escapou do assédio e fotos com admiradores. Chico Anísio matava as saudades do bairro que por tanto tempo o acolheu.
Outras grandes atrações prestigiaram o saguão do antigo Cassino da Urca. Os artistas continuavam a surgir de todos os lados...
            Havia gente do teatro de revista: Colé, Costinha, Mara Rúbia, Nélia Paula, Eloina, Gina Le Feu, Esmeralda Barros e Virgínia Lane.
            Havia gente do cinema: Norma Benguell, Odete Lara, Leila Diniz, Paulo Villaça, Paulo Porto e Maurício do Valle.
            Havia gente da tv preto e branco: Neide Aparecida, Diana Morell, Carmen Verônica, Celia Coutinho, Tutuca, Orlando Drummond, Brandão Filho, Jomeri Pozzoli, Alberto Perez, Walter e Ema D'Avila.
            Havia gente da música: Anísio Silva, Orlando Dias, Aracy de Almeida, Maysa, Silvinha Telles, Elizeth Cardoso, Lana Bittencourt, Dalva de Oliveira Julie Joy, Dóris Monteiro, Ângela Maria. Ciro Monteiro, Lucio Alves, Miltinho, Dick Farney, Mirno Barroso, Orlando Silva, João Dias, Paulo Goulart, Carlos Galhardo. Linda e Dircinha Batista, Emilinha Borba, Marlene e Cauby Peixoto!
            Neste exato momento acordei assustado, trêmulo, suado e percebi que sonhara.
            O Museu do Rádio e Televisão Brasileira não existia e podia ver pela janela aberta os tapumes de uma obra que desconstrói a cada tijolo posto.
            Tomei um bom gole de água fresca, e ao retornar ao quarto, antes de deitar, pude ver pendurada na mesma janela, aberta, brilhante, a faixa: Urca Sim! IED Não!
           
            Rio, 10 / 10 / 08
            gabriel m. ribeiro

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