sexta-feira, 13 de maio de 2011

2008 - A Manhã Estava Linda...

            gabriel m. ribeiro

 

           Era uma manhã de domingo... como todos os domingos em que o céu não amanhece absurdamente limpo, a freqüência da praia se torna modesta, mas podemos observar os contumazes "atletas de final de semana" jogando as duplas de vôlei, e a já histórica linha de passe.

            Moradores da Urca no vôlei e os participantes da linha de passe já com esta longa convivência específica no bairro.
            Aproximam-se às dez horas da manhã e um novo contingente de pessoas começa a chegar na calçada em frente ao restaurante local.
            Havia algo diferente no ar...
            São moradores locais e não estão vestidos para atividades esportivas. Abraços, beijos, apertos de mãos, acenos, cochichos, bate-papos, e um zum-zum-zum diferente...
           Chegam alguns outros trazendo galhardetes, estandartes, adereços de mão, faixas, cavaletes, panfletos. apitos, apitos, apitos e, o mais importante, um ãnima especial! Uma bandeira internalizada e convicta dentro do coração. Uma causa justa e rebelde.
            Uma questão grave, onde já sabemos estão reunidas plurais manifestações do arbítrio, do abuso de poder, da omissão do poder público, da corrupção e do crime administrativo, é que reúne estas educadas pessoas.
Sem que se ouçam as três pancadas de Molière, as cortinas da manhã se abrem e o primeiro ato se inicia.
Pulam na ribalta duas pessoas vestidas de macacão bege, chapéus amarelos...e nariz de palhaço... o texto é dito nas faixas e estandartes, o ponto é transmitido na panfletagem, a iluminação vem do astro maior, e a sonoplastia emana dos apitos...
            A platéia é móvel, passa pela cena dentro dos carros, dos ônibus e, ora tímida, ora interativamente, se apercebe do texto e reage de forma diversa.
            O segundo ato inicia e ganha mais adeptos e novo formato.
            O palco é semi-coberto de plástico amarelo, o elenco aumenta, figurantes entram em cena, e se deitam no chão... a mímica, a expressão corporal, a plasticidade implícita dialoga com todos os presentes.
            Dizeres em faixa tremulam nas coxias, como também chegam à boca da cena.
            Esta cena muda grita com maestria tudo que a criação coletiva comunitária precisa ouvir...
            Terceiro ato: atores, técnicos, figurantes, platéia, coadjuvantes, enfim, todos os presentes caminham pelo cenário de pedras portuguesas até outro palco.
            Ao longe, ao largo, alguns rojões anunciam novos participantes desta peça... havia algo diferente no mar.
            Em cortejo, dezenas de embarcações singravam as calmas águas e se aproximavam da linha litorânea, onde os artistas continuavam agrupados.
            As traineiras estavam enfeitadas para a devoção ao seu padroeiro, São Pedro do Mar. Há muito esta delicada e sincera manifestação havia sido proibida (?!), mas agora, com auxílio direto da companhia teatral, a censura fora eliminada e estes artistas das águas, compartilhavam a cena maior neste cenário coletivo.
            Acenos recíprocos, respeito ao ilustre desconhecido, uma alegria fraterna, talvez uma grande esperança mística e, de repente, num arroubo mesclado de ufanismo e risco, um ator leva a dália até o outro artista desta peça e todos lêem o que estava escrito.
            Desde o primeiro ato, desde o primeiro apito, da primeira panfletagem, passando pela seqüência muda do segundo ato, chegando à partilha da vitória com a grande esperança, e terminando com toda a companhia de braços dados, na beirada do palco, havia uma mensagem intrínseca perpassando "corações e mentes", havia uma não-apresentada fraternidade na concordância de olhares, havia uma nota uníssona regendo todas as vozes, e no cinzel a determinação de esculpir uma nova história.
            A manhã estava linda...
            Ah! Ia me esquecendo. O nome da peça é: URCA SIM, IED NÃO! E o autor a AMOUR!
           
            gabriel m. ribeiro
            09 / 10 / 08

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