gabriel m. ribeiro
I
Em cálida pobreza da rústica manjedoura
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria permitiram a graça vindoura
Que Gabriel lhes anunciara, o Filho da Luz.
A estrela conduzira e brilhara no firmamento
Nas areias sopradas resplandecera o ouro,
Cheirara o incenso no choro do nascimento
Preconizara a mirra um futuro e farto tesouro.
Procuraram Gaspar, Baltazar e Belchior,
Três Reis Magos, a um sinal do príncipe novo
Uniram-se crédulos aos pastores no melhor:
O Rei finalmente nascera do povo!
II
Na pobreza ressequida do feno e da palha
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria desolados perdem em dura batalha
Vida, que a fome, ao alfanje da morte conduz.
Os olhos sem lustro do filho menino inerte
Cabaça de farinha com o fundo vazio ficara
Não há reza, novena, promessa que conserte
O que a seca malvada, tirana, esturricara.
Remendos em farrapos, roupa velha e rota
Nos lábios oração, um sussurro sem brilho
Nas mãos magra o terço, a prece rouca
Morrera na fé de Cristo, na seca, o filho.
III
Na pobreza dura e fria da cela
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria acendem uma solitária vela
Rezam em torno da tênue e frágil luz.
Amarelado na tosca e simples moldura
Velho retrato do único e fugidio rebento
À cabeceira do sono inquieto, tortura
Pela angústia do terror, luta e sofrimento.
No quarto a cama magra ainda feita
Na árvore nenhuma luz ou presente,
Na ceia um prato vazio, a suspeita
No cárcere, preso, o filho ausente.
IV
Na pobreza inexplicável da guerra
Cristo nascera da Virgem, no homem Jesus
José e Maria, aniquilados contemplam
A centelha, parábola e troar do obus.
A arma não descansa seu fogo, sentença, destino
Nem trégua cínica de muita solidão
Nem altar repartindo o pão ou o vinho
E corpos sem vida abraçados ao chão.
Não dão-se presentes, não cantam hinos ou canções
Não se abraça e se beija a pessoa que se ama
Na crística Noite de Natal, no céu brilham explosões
E o corpo do filho apodrece na lama ...
- 01/99 -
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